sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Márcio, sessão das 14:30



Gosto do gosto que tem o ar da sua casa.
Mas temo os trovões que eu vejo quando aquele lagarto ilumina o buraco da minha toca.
Sensação de sufoco eu sinto quando a visita que permite a luz entrar pelo meu rosto atrasa.
Chove pelo meu corpo todo, com arrepios de calor.
Eu grito um grito mudo.
Mãos agarram os meus ossos e minha mente estreita-se.
Na boca, eu sinto gosto de damasco com hortelã, grama e areia.

No começo, eu odiava esses ratos que habitam minhas roupas. Eles me assustavam e me mordiam.
Mas eles são agora meus amigos, fazem cócegas.
Inimigos não fazem cócegas, não é?
Aquele ali de gravata rosa, eu o chamo de Homenzinho. Ele é tímido mas é meu favorito.
A de orelhas enormes parece muito com uma colega minha de trabalho. Imagino que ainda esteja solteira. Também, com essas orelhas tão feias. Era melhor ter nascido rata.

Essa voz que fala comigo sempre às 17:47 só pára quando eu mato um dos ratos.
Eles ficam tristes, fazem um enterro, mas nunca se revoltam contra mim, pois sempre divido com eles meus doces coloridos.
O branco com azul é o favorito de Homenzinho. Um pedaço do vermelho eu dou pra orelhuda.
Eles acabam me agradecendo no fim, por estarem vivos ou pelos doces, não sei.
Coisas de ratos.

Tremo todo quando o homem de cabelos longos senta na sombra do meu quarto no final da tarde, quando a mulher gorda fecha as luzes e erra meu nome.
Ele tem uma capacidade incrível de não se mover durante horas e eu o imito, com medo que ele se irrite com minha agitação.
Às vezes sinto coceiras difíceis de coçar e saio da inércia, e o homem de cabelos longos me imita perfeitamente. Me assusto e volto a ficar parado, até que meus olhos pesam e eu sonho com Matilde.
Se o homem de cabelos longos não me vigiasse todas as noites, eu cavaria um buraco na minha toca e fugiria para os braços dela. Gostaria de ver se ela está bem, se continua linda como costumava ser.
Da última vez, ela me decepcionou muito ao começar a derreter de repente.
Que tipo de brincadeira foi aquela? Me assustei.
À empurrei na banheira e lavei seu corpo escorregadio até ela parar de gritar.
Matilde foi infantil ao gritar comigo, tomara que minha ausência a tenha feito repensar sua falhas.

Já tentei oferecer doces ao homem de cabelos longos mas ele nunca os aceita.
Ele não é um homem comum, nem mesmo um rato.
Se eu ainda tivesse algum tipo de dinheiro, arriscaria oferecê-lo pela minha liberdade.

Depois de lavar Matilde na banheira, uns vizinhos que eu jamais havia visto apareceram na nossa casa.
Quando os vi, descobri porque nunca haviam saído de casa: como eram feios!
Um homem com cara de cágado e uma mulher dinossauro.
Gritaram comigo e eu ouvi sirenes.
Ao perceber que estavam mal intencionados, ofereci o dinheiro que guardava no cofre e minha pílulas para eles me deixarem em paz, pois estava passando o jornal das 8.

Me jogaram nessa toca, os cretinos!
Não me leve à mal, eu gosto do gosto que tem o ar da sua casa.
Mas os feiosos devem ter pego minhas pílulas, meu dinheiro e minha Matilde.
Eles não são ratos. Melhor que fossem.



- 2° Desafio do querido Poeticam

domingo, 6 de janeiro de 2013

Carta dela pra ele e que ele nunca lerá.


O que aconteceu?
Vou te dizer o que aconteceu...
Minha mente explodiu de tão atômica.
Num segundo eu sabia quem eu era, e no outro,
SSSSSSSSSSSSSHHHHH
Você desapareceu!

Aquele nosso plano não funcionou e só a lembrança volátil do teu cheiro de hortelã com sândalo eletrocuta meu centro nervoso medular.
De onde vem esse teu jeito doce?
De um banho de açúcar?
Eu não suporto isso. Entende?

Só um pacote de camarão tem 400 gramas,
Imagina o quanto pesa minhas expectativas?
Pior de tudo é ter que implorar por essa tua atenção de passarinho

Antes achava que te tinha até o meu último fio de mielina
E hoje pergunto: “Tem um minuto?”
Acho que é chegada a hora para o sorvete de verdade, não é?
Aquele de ameixa com passas que ninguém quer.

Você teve a audácia de me fazer acreditar que éramos diferentes de tudo
E que a mutação havia nos transformado na forma de espécie dominante no mundo.
Mundo esse que era nosso espaço particular.
Você esqueceu a senha da nossa galáxia inventada e eu, esperançosa, te pergunto:
“Deixa eu abrir a porta pra você?”

Ah, mas se você voltar tudo vai ficar mais trabalhoso.
Vou querer te receber com cabelo bem acobreado, unhas feitas e vestido estampado.
Daí você, todo mutante e orgulhoso, iria falar em saudades, mas faria questão de destacar que não sentia tantas quanto eu.
Só porque sou louca por você e você sabe.

Em ocasião tão importante teria que ter garçom
E uma recepção que te fizesse sempre voltar.
Tudo o que eu mais queria era te impregnar com essa vontade de permanecer
E te fazer sentir esse caro que não se pode pagar.
Porque se você voltasse, quando fosse de novo embora...
Aí sim ia ser muito pior!
Eu teria que sentir saudades de quem você era antes da primeira partida e de você agora.

Tua presença só existe no espaço tênue entre minhas vontades e meus sonhos.
Mas a sensação que me é causada quando lembro de nossa partilha de ideais me inspira
E eu então expresso minhas expectativas.

Às vezes, quando me despeço, tenho vontade de falar sentimentos.
E eu mesma me respondo “amo você também.”
Doidice, não é?
Mas se um dia você descobrisse essa minha mania, eu mentiria.
“Eu fazia isso no passado, não no futuro” eu diria.

A verdade é que eu minto. Pra mim e pra você.
Sempre quando vou dormir e quando me levanto de manhã, eu repito:
“Vai ficar tudo bem”
Então eu escolho alguma máscara de sorriso gargular pra ter coragem de partir pro mundo.


- Desafio de Poeticam Circi

domingo, 30 de dezembro de 2012

O resgate




Ansiedade eu não sei mais definir.
Me fogem os pensamentos como contas de um colar partido.
Eu emendo e mesmo assim ele quebra, independente do número de nós.
Como eu iria imaginar sentimentos?

A fuga era só uma tentativa de preservação
E a indiferença era o mecanismo de defesa de uma mente confusa.
Me angustia essa mente perdida forçar a lógica quando só necessita resgatar a emoção.

Se existe reciprocidade, o que temer?

Em silêncio, assinamos um contrato só nosso.
Ninguém precisa saber. E se nos virem, estaremos de mãos dadas.

Quando ele segura a minha mão, a segurança avança os limites do possível imprevisível.

Além daqueles olhos existe uma imensidão abstrata que me acalma.

Depois de tantos anos e ainda me surpreende.


É essa quebra de expectativas que nos prende um ao outro. É o que me dá esperança de reinventar o existente e escapar de um destino conservado em resina.


Uma vida junto a tua é sem promessas.

Me ensinaram a buscar estabilidade. 
Você desestabiliza minha concentração e minha frequência cardíaca.
Mas quando me abraça, vale a pena o risco.

(29/12/12)


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Filtro


Coragem.
Se um novo ciclo começa, você está pronto.
E a partir do momento que você pousa uma caneta no papel ele já não está mais em branco.
Ao esvaziar a mente, ela é preenchida com os tons desesperadamente necessários.
E esses tons são as nuances dos borrões que são seus sonhos, os reflexos rasurados de quem você será.

Você, que me conheceu ontem, não me conhece mais.

E nem eu mais te conheço.
Há a necessidade de nos reapresentarmos todos os dias.
O borrão vive em constante mutação e visualizá-lo entre lacunas do tempo é viver em uma eterna quebra de expectativas.

Eu te olho através do filtro dos meus olhos mas esse nunca permanece o mesmo.

Você mergulha na minha essência através do seu próprio filtro.
Até quando todas essas variáveis vão resultar em ares de encantamento?

Sou grata por não entender de probabilidades

Elas só cegariam minhas certezas.
Ao descartar jogos e mecanismos lógicos, o ato de pensar torna-se desnecessário e pequeno demais perto do que realmente não precisa de explicação e compreensão.

Quando racionalizo, não mais entendo.

Fujo do conteúdo essencial e fico plena de informações triviais.
Fecho meus olhos e sinto.

(23/11/12)




quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Ela


Quem é ela?
Ela não tem rosto e é plena de hipocrisia.
Ela gosta de coisas fáceis mas diz que não é frágil.
Faz só  essência na vitrine do seu próprio ego a fim de leiloar por uma valor exorbitante.
E ainda acha que isso é justo.

Quando falha, acha que a culpa não foi dela

Pois é uma eterna injustiçada segundo o conhecimento fútil das "regras femininas" inventadas por outras mulheres sem rosto que pensam portar verdades absolutas.
É sentimental para assuntos insignificantes, alcançando um certo nível de anedonia quando realmente precisa agir como humana.
Importa-se demais por não ter um rosto, quando deveria na verdade se preocupar com sua falta de alma.
o que ela faz mas não o que ela diz
Exibe uma
(26/10/12)

Vontade



Ela é moça pra casar.
Boazinha. Tem cuidados.

Não depende de homem pra estacionar o carro
Mas sua face inspira submissão.
Tem seus 20 e poucos e jeito de mãe
Não parece nem mulher.
Alguns homens até já olharam pra ela,
Mas eles buscavam colo.
Seria mesmo um pecado invadir a figura materna que ela transpira pelos poros.
E ainda existe o risco de quebrar.

É explosiva às vezes e é sempre culpa da TPM

Porque alguém tão boazinha assim é incapaz de perder o controle.
Ela ama tão profundamente que os outros não sentem a necessidade de amá-la de volta.
E por fazer os outros felizes ela sempre fica.

Com ela não há cobranças, ela não gosta de inconveniências.

Não é pra isso mesmo que vivemos?

Já teve peso na consciência quando atrasou ao dar carona à uma amiga.

Já teve peso na consciência quando passou um dia sem ligar pro namorado.
É a típica sem sal que passa despercebida e que ninguém lembra do nome
Ela já sentiu peso na consciência quando alguém não lembrou o nome dela, 
pois ela deveria ter se esforçado mais.
As pessoas só têm o nome lembrado pelos outros quando fazem algo de importante.
Ela já sentiu peso na consciência por não ter sido importante.

Quando não a querem é porque ela é moça pra casar

E quando a querem é porque ela é moça pra casar.
Ela não sabe se quer casar.
É como se fosse uma sanduicheira que não quer fazer sanduíche.

Mas ela é boazinha, atenciosa, é moça pra casar e é esse mesmo o seu destino.

Vai ficar sozinha até que quem ela ama comece a buscar uma moça pra casar e a escolha.
Tomara que ela seja escolhida, senão vai ficar com peso na consciência, a coitadinha.

(25/10/2012)


terça-feira, 7 de junho de 2011

Racionalidade


ç- Uma dúvida. Não sai da cabeça.
q- Diz.
ç- Tava lendo um texto, dizia algo sobre quando se vê um garoto sentado no chão... ou pensando ou sonhando, não importa, pois para um garoto os atos de pensar e sonhar são indiferentes. Poderia essa ser uma frase para se refletir, né, interessante, intrigante. Mas vem cá, sério que num é a mesma coisa? Se não, tenho um sério problema de pensamento, acho que só sonho.
q- Mas sonhar é quando se dorme. Pensar é no dia-a-dia.
ç- Mas e quando se diz que alguém sonha acordado?
q- É quando esse pensamento tem conteúdo fantasioso, irreal.
ç- Então quando alguém escreve um romance, um livro de ficção ou algo do tipo, é como se sonhasse e não como se pensasse?
q- Mais ou menos. Deve ser diferente. Sonho é conteúdo fantasioso que vem de maneira natural, involuntária, sem você forçar para que ele se forme. Já livros são projetos criativos que requerem tempo e dedicação, uma construção voluntária de idéias.
ç- M
as e se eu te disser, por exemplo, que penso muito em você, de maneira fantasiosa, só que não é de forma voluntária. Você estaria nos meus sonhos ou nos meus pensamentos?



q- É... não sei te dizer.
ç- Sabe? Não importa. Pensar, sonhar... São só palavras. (beija a mão) Só palavras. Só queria te dizer isso. Não precisa descrever, definir, delimitar, dar sentido ou razão. Não há necessidade de dar nome a tudo. Tem coisa que só não precisa de nome.
(Beijo no rosto. Se levanta.)
q- Achei que te intrigava. Isso.
ç- Intriga.
q- Mas você tem tanta certeza. Disso.
ç- Me intriga só eu ter pensado. Nisso.
(Anda)